Roteiro II - O contador de histórias.

A Vizinha.

Cena 2 - Apartamento 704 do já situado prédio da Maria Antônia.

Somente um toque na campainha. A garota, com suas muletas-metralhadoras abre.
_Oi minha querida!!! Tudo bem com você?
_Sim, D. Leila. Entre um pouco, vamos conversar...a Senhora precisa de algo?
_Então minha querida! Queria me desculpar, porque aquele dia eu saí e esqueci que havia pedido à empregada de vocês para passar em casa, e...
_D Leila, não se preocupe...a senhora já se desculpou...
_E eu queria conversar com você também, pelo fato de que , sabe, a garota que está trabalhando em casa, eu não sei...achei estranho, ela veio trabalhar com um sapato diferente do outro...disse que se enganou...que a luz estava apagada pela manhã, quando ela saiu. Depois, pediu-me um sapato emprestado...sabe, pode até parecer que é egoísmo, mas se ela veio, pq não voltava com os sapatos? já fez perguntas sobre o quanto ganho, enfim...tenho inseguraça, porque moro sozinha, já estou cansada...Queria saber quanto a empregada de vocês cobra, como ela é, se vocês tem referência...
_Entáo, D Leila, acredito que sim. Entre um pouco...
_Eu não vim hoje à tarde porque percebi que você estava com visitas, havia um rapaz com você...

CORTA PARA (horas antes, no mesmo apartamento...)

"A garota de muletas imediatamente vê, em memória, o rosto do psicanalista. Os óculos grossos e negros, davam-lhe um indiscutível ar europeu. Diria que francês, mais especificamente. Os sapatos eram os mesmos de "o primeiro dia 24", e a blusa vermelha, e os fones de ouvido ficaram gravadas. Neste momento, lágrimas lhe subiam à garganta, nova que era a aprendizagem do Método B de segurança de lágrimas*. Abriu a porta:

_Oi...tudo bem com vc?
_Sim. Desculpe a demora, eu estava no banho...sabe como é, demora um pouco, por causa do gesso...Entre, por favor. Você pode esperar mais um segundo, só até eu terminar de arrumar o cabelo?
_Uhm...claro...não tem jornal para as visitas não é??
_Tem revistas de arquitetura, serve?

"No espelho ela se olhava e perguntava por onde começar... sentiu um gelo...Homens sempre lhe gelavam o estômago, aquela antiga sensação...Aquele homem, ali. Seria como conversar com um desconhecido...como seria? São tantos fantasmas, com os quais lidar...

Em poucos segundos...diante dele, no sofá, ela falava sobre os medos, o abuso, a dificuldade, e a vontade gigantesca...e os obstáculos que ela própria colocava, e não sabia porque.
_Onde está o cadáver? Cadê? O que você fez de horrendo? Conte-me.

(to be continued)
(* método B: Recentemente aprendido com a tradição de uma familia italiana, através do neto, o modo como se deve segurar o choro. Consiste em respirar profundamente, estando envolvido pelo abraço de alguém do sexo oposto, em estado alcóolico, de preferência, e que faz com que você se convença de que é realmente necessário e absolutamente fascinante aprender. E que isso lhe causa dores, e, que, podem ocorrer sangramentos.